sábado, 30 de janeiro de 2010

Do escrever...

imagem do google - Thoth

Cheguei a conclusão (ainda que irrelevante) que escrever é um ato repetitivo. Até mesmo o “ato-de-pensar”sobre isso” já foi arrazoado e esmiuçado.

Originalidade é quimera, miragem. É pura ilusão.


Por vezes, muitas e muitas vezes, abandonei poemas, textos, crônicas, entre outros palavrórios, ao perceber que estou repisando em pegadas já carimbadas. “Metaforizo” que viver, é caminhar por uma praia, deixando rastros na areia que já foi pisada e repisada. Então vem a onda e apaga...


Tem gente que consegue caminhar onde as águas não alcançam, e deixam pegadas mais profundas, algumas se tornam eternas, se calcificam e se perpetuam. Pegadas de talento. São vestígios de gente muito grande: filósofos, escritores, atores, pintores, músicos... Gênios das várias expressões artísticas.


Afligida, me enxergo medíocre, repetindo reflexões do que já foi pensado e escrito, de forma infinitamente melhor do que eu faria.


O que experimento já foi provado muitas vezes e o medo de ser anódina, já me fez apagar minhas próprias pegadas muito antes das ondas.


Como ser inusitado, insólito, singular? Como ser incomum se o ser humano é tão pateticamente análogo e ao mesmo tempo, fascinantemente particular e único?


Conquanto, o processo criativo torna-se decepcionante quando percebemos que o que sentimos e promulgamos é velho, tanto quanto a história da humanidade.


Concebo sentimentos que não tem nome em nenhum idioma, careço de um dicionário para tradução de emoções e sensações, antes que insanamente eu comece a inventar palavras que não existem...


É totalmente desimportante quem sou eu, mas preciso reinar soberana, ao menos dentro de mim mesma para encontrar algum alento, e a única forma que conheço de fazer isso, é escrevendo. Nenhuma outra forma de expressão me satisfaz. Não que não as esquadrinhe e tente. Eu canto, pinto telas, desenho, por vezes componho uma ou outra canção. Cortejo enfim, as mais diversas manifestações da arte, mas, careço de luz. O alimento da minha alma é a palavra escrita.


E falando em ‘expressão’, é a nossa única redenção. Expressar-se é a única forma de viabilizar a vida, o existir aparentemente sem sentido. O que nos difere de todos os outros seres vivos.

Queria que um deus, um anjo inspirador de versos, prosas e poemas se anunciasse através de mim, para que eu conseguisse conceber o que nunca foi criado, falar o que nunca foi dito, escrever o que nunca foi escrito. Utopia...


Queria que Thoth revelasse em mim uma epifania articulada da intuição, iluminando o caminho além das limitações do pensamento, através do ofício abençoado de escrever.


Sou humana no sentido mais humilde da palavra. Sou um cérebro e um corpo, permeado de emoções, sensações, paixões, expectativas, medo, pudores, desencantos e suposições. Sou uma mulher ,que sequer precisa de ajuda. Não preciso de nada, só escrever. A mim nada me falta, a não ser tudo.


Fico encantada nas viagens pela literatura de todos os tipos e gêneros. Como é bom esse elo simbólico e tão poderoso que me funde com gente que nem conheço, escritores e personagens de todos os tempos e lugares. Me enleva e comove.


Eu amo as pessoas que escrevem. Algumas mais, por afinidade talvez. Gosto quando a gramática é impecável, mas isso não me impede de admirar a essência, mesmo quando a língua pátria é maculada por pequenos deslizes. Importa as formas inusitadas de dizer coisas prosaicas. Importa os pontos de vista diversificados, a criatividade, a beleza.


Gosto dos textos coloquiais, dos rebuscados, das prosas poéticas, dos versos com métrica, dos versos livres, versinhos miúdos, frases bem-humoradas, crônicas, contos, romances, ficção, documentários, biografias, desabafos, etc. Gosto de ler e de mergulhar em universos diversos. Plural.


Existem ‘coisas’ fantásticas escritas por aí e que certa forma são minhas ou deveriam ser, pois foram coisas que o meu coração sentiu, traduziu, identificou, mas outro expressou.


Parece-me injusto que não tenha sido eu a escrever, mas a indignação pela “pseudo-apropriação” da minha alma transforma-se em alumbramento pela “sincronicidade” do universo. Conivência. Cumplicidade.


Ainda acredito que escrever é um ato repetitivo, mas viver é uma experiência única e intransferível e vou seguir tentando descrever e escrever a minha. Com Thoth ou sem ele.


Sem escrever, não me redimo de viver.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lagartixa



Algumas coisas em mim
já estavam afinal quebradas
e andam agrupando-se
assim
os fragmentos e lascas
E sem que eu nada faça
minha alma surpreendente
num fantástico concerto
conserta-se sozinha
recompõe-se
lentamente
E embasbacada
me percebo
inteira
novamente
Não obstante as cicatrizes
trincas e estigmas
e o rabo que deixei
para traz
Estranhamente
me reconheço
Esta também sou eu
definitivamente.

Rossana Masiero

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Intuição


Matisse


Desfiz-me das relíquias
de ansiosas vésperas
que antecedem as festas
Arranquei a colcha
de cambraia cheirosa
Cingi as brancas rendas delicadas
Rasguei bordados
Quebrei o cântaro
que regava os sonhos
e apaguei as velas
Desfiz a mesa e azedei o vinho
Avulsa e livre
da expectativa
Já era noite quando compreendi
que nunca mais
vou te ver.
.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vai...





Vai poetinha
Vai para sua Pasárgada
Vai ser feliz
meu menino
Que eu
já não tenho mais asas
para migrar ao seu lado

Meu tempo já foi o tempo
E já não sou dona de mim

E quando eu estiver mais triste
mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar

Parto em busca
da sua elegia
Você será eternamente
a senha
da minha poesia.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

fundo



Emirjo em alguns dias
Insurjo à tona
atônita
afônica
recôndita
Afloro
e logo deploro
Resvalo no vicejar
E como um anfíbio
assombrado
regresso às águas turvas
É no fundo
que eu sou

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sutileza



A sutileza entre
a verdade e a dialética
Não é estética
Não é estática


É ética.
.