quarta-feira, 28 de outubro de 2009

" ... "



Caminho sem veemência
e não limpo mais meus sapatos
Eu carrego inconsequente
cavacos e dejetos
Nem varanda
nem terraço
Sou escada ou rampa
que desce para o nada
Sem corrimãos
guarda-corpos
ou segurança
Refém dos meus
próprios alvitres
já não sonhos os sonhos
que não se consumaram
Nem possuo mais
os anseios impuros
que restaram impunes
Desabo atravessando o ar
como um disparo
Trago nas mãos o revólver
que me aponto todo dia
Que se danem as cordas
que enforcam
As facas que cortam
e os pecados...
Que explodam num tiro
todos os meus sentidos
Porque sentido
já não faço
E para eu desistir
só falta escolher um bom vestido
O resto é mera formalidade...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

filhinha



foto paulolima

Não importa o quanto
pense que cresceu
minha filhinha
Não me deixe perceber
Não importa o quanto
se ache independente
menininha
Mente...
Mente pra mim
Diz que precisa de colo
Seja paciente
Porque necessito assim
Ainda banhar-te devagarzinho
fazer espumas de (a)mar
que te escorram pelos dedinhos
Depois lavar-te os cabelos
passar xampu aos pouquinhos
Vendo a brincadeira te encantar
E acarinhar-te com gotas d'água
como se fosse o bebezinho
que você costumava ser
Brinca comigo anjinho
Para que eu possa deter
o tempo só um pouquinho
E possa reter-te comigo
ao menos na lembrança
Ate que eu consiga enfim
deixar você crescer...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

composição


Chet Baker

Você me toca
como você toca
Notas longas
lentamente
Semibreves e harmônicos beijos
delicadamente
E de repente inesperado
investe intensamente
improvisa em mim
imprevisíveis solos
audíveis somente
pelos sentidos
Compõe nas pautas
que me risca as costas
com as digitais
Melodia sensual
tátil
Dedilhando arrepios
Como se em mim
houvesse um pistão
em cada ponto
que pressiona
Sopra-me essência
e desejo
E seu ritmo perpassa
transpassa e ultrapassa
meus sentidos
Acelera e sobe o tom
Semínimos toques
Fortíssimo
Rápidos
Agudos
Até que eu me faça bailarina
e me dissolva
em gotas
musicais...

sábado, 10 de outubro de 2009

assim




Por vezes me surpreendo com as conclusões equivocadas, ou não, sobre meu íntimo confuso.
Já me disseram que sou o tipo de gente feita para ser baldia, mas eu sei que meu coração é um latifúndio infinito loteado e totalmente ocupado por milhões de outros corações.
Cabe em mim uma infinitude de almas que amo, que desejo e quero bem.
Cabe em mim, uma gama de cores maior que a caixa de lápis que guardei a vida inteira, cores de todos os tons, vários tipos de amores, com muitos nomes e qualificações.

Talvez tenham razão quando dizem que sou fugidia.
Sou controversa, mas (infelizmente) não sou contraventora.
Reflito, reajo, remendo, mas não me emendo
Eu dou a corda, mas não me ato.
Evado-me...
É que meu coração é passarinho rápido.
É colibri.
Vôo e vou de flor em flor, encantada e não paro muito em lugar nenhum.
Até sou de muita conversa, mas de pouco tempo com os mesmos assuntos.
Sou um pouco como o vento.
Surjo revôo e passo.
Tenho a mente ventilada, multifacetada, mas estilhaçada.
Tenho a alma intempestiva, mas introvertida.
Sei que sou divertida, mas nem todo mundo acha.
Platéia sem talento...
Às vezes - confesso - me esquivo, mas ainda assim vou seguindo.
Escapo feito fumaça que deixa o cheiro, mas passa.
Assim.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Das ressalvas




Não vou tecer um público poema
E impudica expor a minha vida
Quero fazer segredos do meu tema
E não deixar minha alma confrangida


Não têm que saber que sou aquela
Basta que sintam minha eufemia
Pois os olhos que me olham da janela
Detectam a minha nostalgia


Se me escancaro sei que rarefaço
Não quero um manifesto da poesia
Só roubo do Lácio a última flor


Não para expor meus versos escassos
Segredos da alma e sua atonia
Mas só tornar pública a minha dor.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MPB




Benditos os convidados
para a ceia de talentos!
Banquete de metáforas.
Saudade sem alento...
“Vini” velho “camará”...
Por onde andará?
Antonio Brasileiro...
Jobim dos “Passarim”...
Voa livre, outrossim!
Caro ministro!
Ganhaste um
presente sinistro
para um poeta tão hodierno
Aliás, mais que moderno!
Gil das conclusões inusitadas,
inesperadas
poesia ora pura, ora dura.
Legítima melodia
Buarque, “mulher macho”!
Impressionante sensibilidade
O melhor de mim feito em poema
O melhor da viagem feita em canção.
Veloso, como foi doce
despojamento espantoso...
Precioso tempo
sem lenço nem documento...
Sem “discos de ouro”...
Que tesouro!
Lembro Elis...
Porque tão infeliz?
se tinha o de melhor pra cantar...
Ivan, sempre inventivo e discreto
Gonzaguinha, fecundo, direto
Djavan, um glossário
Um dicionário!
Meus poetas musicais
Meninos que não encanecem
jamais para meus ouvidos
Apenas duvido que haja
banquete desse requinte
Em algum tempo seguinte.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

abatimento


Indigna já não levito
Em lástimas estréio
meu alforje de farrapos
Eu ardo como ardem
as chagas tatuadas
Latejo e inflamo
e lambo as minhas
feridas
Perpetuo a mágoa
cultivando cicatrizes
Desprovida de alma
o corpo não se acalma
E suspensa em dores
Dissipo solitária
Um singelo arcanjo
exausto e abatido...